22/06/2015 16:07
Texto: Marcelo Assumpção
Dia de enviar os arquivos da revista para a gráfica, 9 horas da manhã. Nosso fotógrafo estava no estúdio com a “baby Four” Honda CB 400 que estará nas páginas da seção Nossa História de julho, enquanto a equipe ansiosa aguardava as imagens na redação – o texto contando a trajetória do modelo já estava pronto e só faltava ilustrar a matéria. Estávamos perto do fechamento quando, depois de muitas ligações e pesquisa, me deparei com essa encantadora 400 1976 e decidi que mesmo na prorrogação daríamos um jeito de incluí-la na edição.
Além do estado autêntico há uma história por trás da moto que a deixa ainda mais irresistível: quase 40 anos na garagem da primeira dona, a jornalista Ângela Rodrigues Alves, que a comprou 0 km na juventude e manteve como cápsula do tempo particular. Meses atrás a CB encontrou um novo lar na garagem do também jovem Bruno Maia, que preencheu os requisitos de Ângela para assumir a curadoria da moto.
O interesse de um motociclista nascido mais de 10 anos após a fabricação da motocicleta não é tão estranho quando se conhece a relação de Bruno com o antigomobilismo, estimulada pelo pai, que o tinha como companheiro nos eventos para veículos antigos. O garoto escutava a história das desejadas Four na década de 1970 e fez os primeiros quilômetros com uma Monkey do pai. Enfim, pegou gosto pela coisa.
Esse enredo de como a CB 400 Four de Ângela encontrou um jovem disposto a perpetuá-la é a mais natural das formas de se difundir cultura motociclística, de pai para filho. O mercado de motos brasileiro só deslanchou no fim dos anos 1990 e o crescimento avassalador em uma década colocou um enorme contingente de motociclistas iniciantes nas ruas, provavelmente os primeiros de suas famílias, que tiveram de vencer uma série de obstáculos: da resistência dos parentes à falta de informação. Na maioria dos casos não havia um pai para aconselhá-los a conduzir a moto corretamente (bem diferente do ensinado na moto-escola), escolher bons equipamentos de proteção ou mesmo para contar histórias sobre os modelos do passado, como fez o pai de Bruno.
Toda essa experiência relacionada à moto precisa ser fomentada no Brasil, começando pela preservação da história para quem está chegando a esse novo mundo e, principalmente, para que seja cultivada a próxima geração de motociclistas. São válidas iniciativas como o museu da Honda em Indaiatuba (SP), que reúne todos os modelos produzidos em Manaus (AM), ou o exemplo da Fiat, que patrocina o encontro nacional de automóveis antigos, em Araxá (MG), onde aproveita para expor parte de seu acervo de 30 carros nacionais – que é mantido na fábrica de Betim (MG) e só sai de lá em exibições itinerantes.
Vale até um despretensioso álbum de figurinhas, como teve a Ducati no ano passado, resgatando uma forma inteligente de se relacionar com os futuros motociclistas. A ideia foi parecida com a da Yamaha na década de 1970, quando lançou as bicicletas infantis Moto-Bike nos Estados Unidos, equipadas com suspensões, para-lama e pintura amarela e preta em alusão ao layout usado pelo piloto californiano Kenny Roberts. Mais do que vender um novo produto para crianças, a intenção da fabricante era despertar uma conexão desde cedo, e não escondia isso ao assinar “Moto-Bike: um dia você terá uma Yamaha”.
A curadoria de Bruno para a CB é tão importante quanto a de Duas Rodas para o acervo de fotografias, testes, materiais distribuídos pelas fabricantes e campanhas publicitárias veiculadas no Brasil desde o lançamento da revista, em 1974, mesmo ano do início da indústria nacional. Somente com a colaboração de proprietários como ele podemos manter a seção Nossa História contando as sagas de marcas e modelos a partir dos registros que temos em nosso acervo, ilustrados por unidades conservadas como a 400 que levamos ao estúdio para serem fotografados em alta resolução, fomentando assim um ciclo de preservação e atualização deste material.
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